Transformações no mercado segurador: Como fica a ascensão feminina?

Transformações no mercado segurador: Como fica a ascensão feminina?

Historicamente, a percepção da necessidade de igualdade de gênero foi introduzida por volta de 1810 por Charles Fourier, homem e socialista utópico, que defendia que a sociedade só pode ser livre na mesma medida em que esta liberdade for vivenciada pelas mulheres. Nesse contexto histórico, qual seja, com a Revolução Industrial e, após- e com maior força- com as duas Guerras Mundiais, a presença das mulheres no mercado de trabalho e no desempenho de atividades até então consideradas tipicamente masculinas, ganhou certa proporção, ainda que com salários astronomicamente mais baixos do que os dos homens com cargos idênticos ou similares.

Se por um lado lamenta-se que a igualdade entre homens e mulheres na sociedade tenha encontrado espaço para crescer em cenários tão dramáticos para a humanidade, fato é que o trabalho desempenhado pelas mulheres não deve caminhar para a equidade de gênero apenas em momentos de crise, já que agrega muito valor à economia de modo geral: de acordo com um estudo da consultoria Mckinsey, a implementação da equidade de gênero nas relações de trabalho pode acrescentar doze trilhões de dólares americanos na economia global até 2025.

Mesmo com os evidentes benefícios para a sociedade e uma cifra tão expressiva a ser alcançada, as organizações ainda têm enfrentado dificuldades para ascensão da mulher e o setor de seguros brasileiro não foge a esta realidade.     

Por mais que o ambiente de negócios e do mercado securitário esteja em célere transformação por um lado, horizontal, através da conexão envolvendo (i) mercados, como o securitário e o bancário, e (ii) novas tecnologias, como o blockchain e, por outro, vertical pela flexibilização e estímulos concedidos pela regulamentação do mercado de seguros, como o Open Insurance e os programas de sandbox regulatório, será que esta transformação tem sido acompanhada por mudanças efetivas para a profissional mulher no setor securitário, especialmente em posições de liderança?

Em análise independente dos dados disponibilizados no Sistema de Estatísticas da SUSEP (SES), verifica-se que o crescimento do percentual de mulheres ocupando cargos estatutários em entidades supervisionadas pela SUSEP tem aumentado gradativamente. Comparando o mês de março de 2017 ao mês de março de 2022, o aumento da participação feminina nestas posições cresceu cerca de 30% (trinta por cento), sendo que, considerando apenas os cargos em diretoria e conselhos de administração, o aumento foi de aproximadamente 37% (trinta e sete por cento).   

Com a celebração destas pequenas vitórias, cabe voltar os olhos para o que ainda está por conquistar: apesar do crescimento expressivo, em números absolutos as mulheres atualmente só ocupam 14% (catorze por cento) dos cargos de liderança no setor supervisionado e de 15% (quinze por cento) em diretorias e conselhos de administração. Fazendo uma projeção com base na média do crescimento da participação feminina nos últimos anos (em torno de 6% ao ano),é esperando que o mercado de seguros atinja a equidade de gênero em cargos de conselho de administração e diretoria apenas após 2042. Os números são muito similares quando relacionados à participação de investidoras do gênero feminino em insurtechs, empresas que visam transformar o setor de seguros com a utilização de tecnologia. Apesar da quebra de paradigmas regulatórios e tecnológicos que estas entidades refletem, dados de 2020 apontam que a presença feminina entre os sócios destas entidades ainda é de apenas 14,4% (catorze e quatro décimos por cento).

Será que a igualdade de gênero no mercado de trabalho permanecerá sempre no âmbito da utopia de filósofos e de contextos bélicos ou nossa geração viverá para ver mudanças de efetivas capazes de gerar a tão esperada equidade, sobretudo em posições de liderança?

A questão é densa e exigirá das empresas realmente interessadas em se beneficiar do valor agregado pelo trabalho feminino a revisão de valores, práticas e processos ultrapassados, ou seja, daqueles nos quais mulheres não consigam se encaixar independentemente de sua origem, idade, raça, classe social, fase de vida ou orientação sexual.    

Tais ações podem ser traduzidas, a título de exemplo, (i) na realização de esforços para a conscientização dos colaboradores sobre práticas não sexistas, (ii) na implantação de políticas que desestimulem (e penalizem) práticas como gaslighting, mansplaining, manterrupting e bropriating, (iii) na promoção da igualdade salarial e de oportunidades de promoção (que ainda é uma realidade em 2022), (iv) na revisão de processos internos que estimulem a atração e a retenção de talentos femininos, (v) no monitoramento de métricas qualitativas sobre o desenvolvimento das trabalhadoras ao longo de sua carreira na empresa , e (vi) na distribuição de trabalhos igualitários, em termos de quantidade e dificuldade intelectual, entre trabalhadores de gêneros diferentes.

Apesar do desafio parecer maior do que nossa capacidade de solucioná-lo a curto prazo, a construção da ponte que separa a utopia da realidade só depende da nossa capacidade de planejamento e ação.     


Carolina Samea e Giovana de Almeida Silva

Carolina Samea e Giovana de Almeida Silva

Carolina Samea: Advogada da área de Seguros, Resseguros e Previdência do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. Bacharela em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Mackenzie- SP). Pós-Graduanda em Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Giovana de Almeida Silva: Advogada da área de Seguros, Resseguros e Previdência do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. Bacharela em Direito pela Universidade de São Paulo – Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP) e Pós-Graduada em Direito Administrativo pela mesma instituição. Cursando o MBA em Gestão Jurídica em Contratos de Seguro e Inovação oferecido pela Escola de Negócios e Seguros (ENS).


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